Cercas Virtuais
As exigências envolvidas na gestão e manutenção das parcelas de pastagem e dos animais em pastoreio são elevadas.
Com estas exigências em mente, tem-se trabalhado no desenvolvimento de soluções tecnológicas com o objetivo de facilitar estas operações.
Em várias produções pecuárias na Escócia, Austrália, Nova Zelândia, Noruega, EUA, Canadá e Suíça, esta ideia é já uma realidade aplicada a bovinos de carne, caprinos e ovinos utilizando tecnologia sem fios que permite efetuar a gestão dos animais e das pastagens, de uma forma económica, confortável e segura.
Tem havido um interesse significativo da indústria pecuária em todo o mundo em sistemas de cercas virtuais devido aos benefícios reconhecidos, tais como:
– maior produtividade e rendimento animal, pela adequação da dieta e suplementação das necessidades dos animais e disponibilidade do pasto;
– melhores resultados ambientais e de sustentabilidade, como redução do sobre pastoreio e melhor controlo de ervas daninhas e gestão de nutrientes;
– possível monitorização, recolha e análise de dados sobre o comportamento e o bem-estar animal;
– melhoria da eficiência do trabalho e diminuição do investimento de capital em cercas.
As soluções tecnológicas disponíveis são baseadas nas funcionalidades do posicionamento geográfico através de tecnologia GPS, da conectividade por ondas rádio e da capacidade de deteção e alarme embutidos numa coleira.
Os sistemas utilizam coleiras contendo um dispositivo de GPS, um emissor de ondas rádio e um sistema sonoro, sendo recarregadas por células fotovoltaicas, para uma maior autonomia, ou usando uma bateria que pode durar entre 16 a 19 meses, estando esta duração diretamente ligada ao número de vezes que a coleira for ativada.
Estas coleira podem pesar entre 1,3 kg (bovinos) e 500 g (ovinos e caprinos) e necessitam de manutenção e limpeza no início e no final da época de pastagem.
O primeiro passo na utilização desta tecnologia é definir uma cerca virtual (CV) na área de pastoreio pretendida, podendo ser usado qualquer dispositivo móvel que utilize o sistema Android®. As coleiras são colocadas nos animais e estes passam por um período de adaptação ao sistema.
Os animais aprendem a respeitar os sinais sonoros e a CV em apenas alguns dias de utilização (fase de adaptação). Apesar de haver pouco stress envolvido no período de adaptação, é necessário que os animais recebam pelo menos um choque associado ao sinal sonoro para identificarem o perigo e associá-lo aos sinais sonoros, mas há animais que basta verem outros animais a receberem o choque para eles próprios aprenderem o processo.
Poderemos descrever o funcionamento do sistema por fases: a coleira está em contacto com o portal online através das ondas de rádio (rede telemóvel), ao detetar a aproximação à CV, através do seu GPS e das definições colocadas no mapa do portal, a coleira começa a emitir um sinal sonoro para avisar o animal que está perto da CV, à medida que o animal se aproxima da CV o sinal sonoro vai ficando mais intenso e frequente. No caso do animal se colocar na posição geográfica onde está a CV o animal receberá um choque através da coleira, choque esse que tem a mesma intensidade de uma cerca elétrica física, e o produtor receberá um alarme no seu dispositivo móvel.
No caso do animal ultrapassar a CV, este receberá um choque elétrico em três localizações separadas à medida que se vai afastando da parcela e o sistema permite manter a informação sobre a posição geográfica do animal durante todo o tempo, sendo assim fácil encontrá-lo e devolvê-lo à parcela.
As CV são geralmente geridas numa aplicação móvel fornecida com as coleiras, dando assim uma grande facilidade ao produtor para gerir as parcelas de forma prática, rápida e confortável.
A gestão das cercas é muito versátil e permite mesmo isolar perigos existentes num local dentro da parcela, tais como, fonte de água contaminada, rio, espécies pecuárias incompatíveis e/ou outros obstáculos a evitar (fardos de feno, equipamento agrícola, obras, etc.). No entanto, não esquecer que a CV só impede a passagem dos animais que tenham a coleira, por isso, outros animais, pessoas ou veículos poderão passar pela CV.
Esta tecnologia já é útil para explorações que tenham uma grande área de pastagem, mas também para aquelas de difícil acesso ou contendo perigos para os animais (rios, falésias, escarpas, etc.).
Apesar deste sistema ser mais usado em bovinos, ovinos e caprinos, com o evoluir da tecnologia é possível que no futuro possa ser usada noutras espécies. Em Portugal, existe um estudo em curso através da colaboração entre a cooperativa DOLMEN, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (associada do FeedInov CoLab), o Grupo de Ação Local da Cova da Beira, e a ESA do Instituto Politécnico de Castelo Branco, onde o foco são os pequenos ruminantes e o objetivo, além de gerir o pastoreio dos animais, é também utilizar este sistema para uma monitorização 24h dos animais e compilar um conjunto de dados para posterior análise de comportamento e bem-estar animal.
No entanto, existem algumas limitações nestas soluções tecnológicas, como por exemplo, a necessidade de haver cobertura de rede móvel (antenas de rádio) nas proximidades da exploração. Cada vez mais estas redes crescem e começam já a abranger todo o território português, no entanto, em locais mais remotos no interior e em algumas áreas de montanha podem ainda haver zonas de sombra (sem redes de rádio).
Outra situação que se deve considerar são as cercas exteriores da exploração. Como foi referido, a tecnologia sem cercas não protege os animais de perigos vindos do exterior da exploração, dessa forma, a segurança dos animais contra perigos externos terá de ser salvaguardada. Nesse contexto, existem soluções que permitem detetar se o animal está com um padrão de movimentação diferente do normal, por exemplo, em corrida ou fuga.
Esta avaliação é permitida devido à recolha prévia de informação sobre os hábitos normais do animal. No caso de a coleira detetar uma alteração da movimentação/comportamento do animal, a coleira produz um impulso eletromagnético que irá afetar um possível predador/perseguidor do animal. Esta tecnologia está em utilização na África do Sul para deter ataques de animais predadores que são comuns naquele país.
As vantagens ultrapassam grandemente as limitações e esta tecnologia pode ainda ser útil em produções onde é necessário um contacto mínimo com os animais. Esta tecnologia pode também ser útil em países com grande incidência de fogos florestais, para movimentar os animais para fora de perigo de uma forma mais rápida e segura tanto para o animal como para o produtor.
Parece claro que a tecnologia das CV traz várias vantagens, permitindo poupar tempo, deslocações aos locais de pastagem, diminuição nos custos em pessoal e na construção e manutenção de cercas, e possibilitando uma maior eficiência produtiva dos animais e na gestão da pastagem.
Por: Jorge Matos, Investigador FeedInov.
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